O acordo[1] inédito firmado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego, garantindo o reconhecimento do vínculo empregatício e a formalização do trabalho para profissionais do sexo em uma boate na cidade de Itapira, interior de São Paulo, suscita relevantes questões jurídicas no contexto do contraditório crime de rufianismo[2] e na busca pela regularização da prostituição.
A atividade da prostituição é objeto de intensos debates morais e éticos em qualquer sociedade. O cerne dessas discussões reside na percepção de que a prostituição pode ser vista como uma prática imoral e degradante, com potencial para abalar valores fundamentais da sociedade e expor as mulheres em situações de exploração e degradação. Nesse contexto, a legalização da prostituição e seu reconhecimento de direitos trabalhistas são considerados complexos em sua solução.
É importante ressaltar que não existe no Brasil uma regulamentação específica para a profissão de trabalhador do sexo. Para que essa seja efetivada, torna-se imprescindível a aprovação de um projeto de lei pelo Congresso Nacional, seguida pela sanção presidencial. Contudo, cabe mencionar que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)[3], órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, já reconheceu a profissão dos trabalhadores do sexo desde 2014. Ainda que tal reconhecimento não possua força regulamentar, sinaliza uma tendência em relação à possível legalização da prostituição no país.
Nesse contexto, a normalização da prostituição pode, de fato, acarretar um aumento na demanda por serviços sexuais, resultando, consequentemente, em uma maior exploração das mulheres envolvidas nessa atividade.
Melhor contextualizando, um aspecto crucial a ser considerado é o fato de que muitas mulheres entram nesse caminho ainda como crianças e adolescentes, especialmente no cenário brasileiro. Essa realidade torna-se apenas um período de espera até atingirem a maioridade aos 18 anos, momento em que, se permanecerem na prostituição, suas escolhas são vistas como decisões tomadas por vontade própria.
No entanto, tal perspectiva negligencia completamente a experiência traumática vivida por essas jovens desde tenra idade, ignorando o impacto devastador que a exploração sexual tem sobre sua autoestima e autoconfiança, bem como a dificuldade de enxergar outras possibilidades para suas vidas e serem aceitas na sociedade.
Além disso, sabe-se que a maioria delas encontra-se sob o controle opressor de cafetões e cafetinas, tornando extremamente desafiador romper esse ciclo de exploração.
De forma irônica, o acordo feito pelo Ministério Público levanta questões inusitadas, como a possibilidade de utilização do “Programa de Jovem Aprendiz” do sexo para cumprir a Lei 10.097/2000. Ainda no exagero da ironia, não menos inusitada é a situação em que uma profissional do sexo, ao contrair doença relacionada ao contato sexual, seja considerada vítima de acidente de trabalho, elegível para afastamento pelo INSS. Embora absurdas tais reflexões, apontam para a existência de incongruências na medida tomada e suas consequências jurídicas.
Portanto, é essencial abordar a prostituição não apenas como uma escolha individual, mas como uma realidade complexa e multifacetada que exige compreensão, empatia e esforços para proporcionar alternativas e ajudar as mulheres a saírem dessa situação de vulnerabilidade e abuso.
Quanto ao aspecto jurídico, a jurisprudência e a doutrina têm argumentado que contratos de trabalho no contexto da prostituição podem violar requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no Código Civil[4], notadamente a licitude do objeto, além de sustentar a tese de que a promoção da prostituição é proibida pelo Código Penal brasileiro, reforçando a ponderação de que o reconhecimento de direitos trabalhistas nesse âmbito pode ser questionável sob a ótica legal.
O acordo inédito em Itapira, que conferiu reconhecimento do vínculo empregatício para profissionais do sexo que impôs reconhecimento do vínculo empregatício e registro na CTPS das mulheres como “profissionais do sexo”, embora colidindo fortemente com o Art. 230 do Código Penal Brasileiro que destaca ser ato criminoso de tirar proveito da prostituição alheia, suscita reflexões éticas e morais acerca da legalização da prostituição.
No entanto, embora o acordo seja firmado entre o Ministério Público e a boate, sua validade e eficácia podem ser levadas à avaliação e decisão do Poder Judiciário. A independência e imparcialidade do judiciário garantem que questões legais controversas possam ser avaliadas de forma mais abrangente, na busca de assegurar maior conformidade com as leis e os princípios constitucionais.
Porém, a sociedade deve abordar esse debate de forma transparente, equilibrando a preocupação com os direitos trabalhistas das profissionais com a necessidade de preservar valores e princípios essenciais à coletividade. A busca por alternativas que protejam as mulheres envolvidas nessa atividade deve ser conduzida com rigor e sensibilidade, compreendendo os desafios inerentes a essa temática.
Mozar Carvalho
Doutorado em Ciência Jurídicas e Sociais
Fundador do escritório Machado de Carvalho Advocacia
bibliografia
[1] https://www.metropoles.com/sao-paulo/em-acordo-inedito-profissionais-do-sexo-terao-carteira-assinada-em-sp
[2] Art. 230 do Código Penal Brasileiro, destaca o ato criminoso de tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou parcialmente, por quem a exerça.
[3] https://www.ocupacoes.com.br/cbo-mte/519805-profissional-do-sexo
[4] Art. 104 do Código Civil: “a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”
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