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A tempestade perfeita e os sinais de alerta na economia

Gerde Peixoto – Consultor de Empresas

A expressão “tempestade perfeita” é um calco morfológico advindo da meteorologia e se refere a eventos que juntos, em uma combinação rara de circunstâncias, pode transformar algo em um enorme desastre. A guerra na Ucrânia logo após dois anos de Covid19 é o maior exemplo do que podemos chamar de tempestade perfeita na economia atualmente pois, estes eventos repercutem em todo o mundo e terão efeitos negativos duradouros.Os descompassos logísticos, de produção e de consumo provocados em todo o mundo por causa do Covid19 somados agora aos altos preços das commodities que Ucrânia e Rússia exportam e aos reflexos negativos de uma guerra em curso, está gerando uma enorme perda do poder de compra em toda a economia global, algo inédito para a atual geração.

Estes problemas sucessivos explicam a forte alta na inflação mundial e aumento nos preços das demais commodities; petróleo, minérios e agrícolas principalmente. Se estes dois problemas não bastassem, um outro, consequência do primeiro (pandemia), foi o lockdown total em Xangai, coração financeiro e industrial da China. Três vezes o tamanho da cidade de Nova Iorque, local de instalação de enormes parques industriais, que fabrica semicondutores, telefones celulares, eletrônicos em geral, montadoras de automóveis, entre outros importantes produtos, a paralisação das atividades acendeu sinais vermelhos em muitas das maiores indústrias do mundo e deve provocar um prejuízo estimado em US$ 46 Bilhões por mês ao PIB da China. Com a interrupção das linhas de montagem, a demanda de alguns commodities despencou gerando grandes problemas na cadeia de suprimentos global, caso da Vale com o minério de ferro.

Xangai é uma cidade de superlativos, tem um dos três maiores aeroportos e o porto mais movimentado do mundo e a paralisação de suas indústrias gera sérios impactos em todo o mundo. A inflação voltou a assombrar a economia mundial, a taxa acumulada nos últimos 12 meses até março/2022, foi de: 61,1% na Turquia; 55,1% na Argentina; 16,7% na Rússia; 11,3% no Brasil; 8,5% nos EUA e 7,5% na Zona do Euro (Fontes: OCDE, IBGE, Eurostat e Banco Central da Rússia).

Países com economias fortes e estáveis como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha estão tendo inflação que não viam a mais de 30 ou 40 anos, o FMI prevê a inflação mundial este ano em 7,4%. Outra consequência do atual cenário é o fim do dinheiro fácil, o deve levar a um choque de US$ 410 bilhões somente nos países industrializados do G7 (EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão) segundo estudos da Bloomberg Economics. US$ 8 trilhões foram injetados nas economias do G7 desde o início da pandemia e alguns economistas acham que a dose foi demais e pode ter contribuído para a inflação que agora assusta o mundo. Como reação a esta nova realidade, os bancos centrais de todo o mundo começaram a aumentar as taxas de juros internas para tentar controlar o monstro, e a taxa básica americana que hoje flutua em uma banda de 0,25% e 0,5% deve chegar a 2,5% no fim deste ano. As duas questões, retirada dos estímulos e alta nas taxas de juros, irá provocar muitas adversidades e contribuirá para um possível grande choque financeiro na história econômica mundial.

No Brasil o problema pode se complicar ainda mais por causa dos gastos em ano eleitoral e o pouco cuidado com as contas públicas, que geram dúvidas sobre o nosso arcabouço fiscal. O teto dos gastos sofreu mudanças e isso preocupa o mercado financeiro, nem a melhora fiscal com o superavit do setor público em 2021 tranquilizou o mercado pois o superavit foi dos Estados e Municípios em R$ 97,7 bilhões enquanto que Governo Federal terminou com déficit de R$ 35,9 bilhões, pelo oitavo ano seguido. Estas questões não são observadas pelo brasileiro no dia a dia mas os investidores internacionais a observam antes de aplicar recursos maiores e a longo prazo, assim, estes seguidos déficits nas contas públicas afastam mais investimentos estrangeiros de longo prazo, algo que precisamos para o crescimento da economia principalmente pela falta de recursos próprios para investimento pois o caixa do Tesouro Nacional é sugado pelo pagamento dos juros da dívida pública. Juros estes que voltaram a assustar com a rápida alta da Taxa Selic, 427% em 12 meses. Para piorar, estamos em crise atrás de crise e os políticos não param de inventar maneiras de torrar mais recursos públicos, como se o país já fosse desenvolvido e não precisasse de mais investimentos e menos despesas.

O último Relatório Focus do Banco Central, de 29/04/2022 publicado em 02/05/2022, aponta crescimento continuo nas estimativas das taxas de IPCA e Selic de 2022 e 2023, o que aumentará o tamanho do buraco no bolso do brasileiro e o custo das dívidas no Brasil, impactando ainda mais nossa combalida economia. Segundo dados de março deste ano do IBGE e da CNC, 77,5% da população brasileira está endividada e a taxa de inadimplência já é de 27,8%. No meio empresarial, não há previsão para IPOs (oferta pública inicial de ações) este ano, a princípio, todos os que estavam programados foram cancelados.

Mas nem tudo é notícia ruim, com a inflação, a base de cálculo dos impostos aumenta, aumentando também a arrecadação do governo, mas não podemos comemorar por dois motivos, primeiro porque esta alta na arrecadação com até um possível recorde, não é sustentável e segundo porque com o aumento da inflação aumenta também os gastos governamentais e haverá maior pressão por reajustes de salários e benefícios e ainda tem o risco de o governo usar isso para mais gastos o que pode complicar ainda mais nossa economia.

Por outro lado, no meio empresarial, o mercado de Fusões & Aquisições ainda apresenta oportunidades, principalmente para as empresas que buscam crescimento horizontal e tem caixa disponível para compras. Com a crise, muitas excelentes oportunidades irão continuar a aparecer e a expectativa é que este mercado continue em alta. Com essa nova e feroz realidade, os empresários buscam maior geração de caixa, agora mais importante que nunca e diminuição das dívidas, pois a Taxa Selic nos números que voltou a apresentar, pode complicar ou quebrar uma empresa no médio e longo prazo, principalmente quando levamos em conta a retração nas compras e gastos das famílias. Este ano e o próximo serão anos difíceis, que demandarão cautela e muita observação.

Nas grandes empresas, os departamentos financeiros terão que fazer muitas horas extras para estudar o mercado e suas nuances e nas pequenas e médias, os empresários terão que acompanhar mais de perto o momento econômico se não quiserem ter prejuízo. O limite destes problemas é um grande ponto de interrogação para todos pois a guerra na Ucrânia deverá ser o maior balizador junto com o fim da pandemia, de qualquer reação positiva do mercado. A pandemia parece retroceder, mas, precisamos de mais tempo para confirmar pois ainda surgem novas variantes aqui e ali, assim, o ponto principal na cabeça de muitos mundo afora hoje é: até onde Putin quer levar essa guerra?

Como depois de toda a tempestade vem a bonança, só nos resta torcer e rezar para esta guerra acabar logo já que não há sinais disso no curto prazo. Uma boa dose de calma e sorte para todos.

 

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