Redução da presença da estatal em outras regiões gera resistência de trabalhadores e políticos
Em apresentação para investidores estrangeiros na semana passada, a Petrobras apontou seu futuro em um mapa com ativos apenas na região Sudeste e a possibilidade de investimentos em logística para atender Sudeste e Centro-Oeste, grande consumidor de óleo diesel.
“A Petrobras vai ser uma companhia bem focada em exploração e produção de petróleo e gás natural em águas profundas, geograficamente concentrada no Sudeste brasileiro, em três estados: Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo”, disse em Nova York o presidente da companhia, Roberto Castello Branco.
Ele frisou que o objetivo é vender todas as suas operações em terras ou águas rasas em outros estados, confirmando temores de governadores do Nordeste sobre a saída da empresa da região onde nasceu a indústria do petróleo no país.
O movimento já foi iniciado com a abertura de processo de desinvestimento em campos de petróleo, refinarias, fábricas de fertilizantes e de biodiesel nas regiões Sul, Nordeste e Norte. Dos 205 campos ou blocos exploratórios colocados à venda pela empresa desde 2015, 145 (ou 70,7%) estão nas regiões Norte e Nordeste.
Berço do petróleo brasileiro, a Bahia lidera a lista, com 50. Depois vêm Rio Grande do Norte (49) e Sergipe (27, quatro deles com a venda apenas de uma fatia). A expectativa é que a empresa mantenha apenas operações em águas profundas em Sergipe, onde descobriu recentemente grandes reservas de petróleo e gás.
Nessa linha, a estatal já decidiu também desmobilizar edifícios administrativos em capitais nordestinas, como Sergipe e Natal, e criou um programa de transferência para os estados onde manterá atividades, como Rio, São Paulo e Espírito Santo.
O plano de investimentos para o período entre 2020 e 2024 fala em US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões (R$ 82 bilhões a R$ 123 bilhões). O documento prevê investimentos de US$ 75,7 bilhões (cerca de R$ 310 bilhões), dois terços desse valor dedicados ao pré-sal e outros 8% em refino, ou seja, ao menos 75% direcionados ao Sudeste.
“Como ficam todas as ramificações que a Petrobras tem [nesses estados]? Mesmo quem é contra a presença nacional dela não pode negar que a Petrobras tem raízes. Não pode simplesmente desenraizar e sair fora”, diz o líder da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras, senador Jean-Paul Prates (PT-RN).
Lançada em maio, a Frente iniciou nessa semana um giro pelos estados nordestinos para buscar apoio dos governos da região contra a estratégia da empresa. Na sexta (13), apresentou em Natal estudo sobre o impacto do processo no Rio Grande do Norte. Eles contam com apoio da FUP (Federação Única dos Petroleiros), que teme a perda de empregos com a saída da Petrobras da região. A empresa diz que ofereceu a parte de seus empregados transferência para a sede no Rio, mas nem todos devem ser aproveitados.
O estudo apresentado à governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), fala em redução do número de trabalhadores no setor, maior rotatividade e salários mais baixos. Entre 2015 e 2018, diz, o salário médio do segmento de extração de petróleo e gás no Nordeste caiu 58%, para R$ 2,677,27. Nas atividades de apoio à indústria petrolífera, a queda foi de 17%, para R$ 2.071,93.
O documento alerta ainda para a perda do “efeito propulsor” da estatal na atração de outras empresas para explorar petróleo no estado.
Desde a gestão Michel Temer, a área energética do governo defende que a saída da Petrobras pode representar aumento de investimentos em outras regiões, já que a Petrobras vinha reduzindo os aportes em projetos de menor porte para priorizar os campos gigantes do pré-sal.
Ex-secretário de Petróleo e Gás do MME (Ministério de Minas e Energia) com Temer e Bolsonaro, Márcio Félix diz que o movimento abre espaço para a diversificação dos operadores de campos de petróleo no país. Segundo ele, as empresas que vêm comprando campos da estatal devem começar a investir em breve.
“A gente já está no limiar da virada, em 2020 começa a ser mais perceptível”, diz Félix, que hoje é secretário executivo do Fórum Sergipano de Petróleo e Gás. “Já tem um número grande de blocos [de exploração e produção de petróleo] nas mãos de terceiros.”
No refino e nas fábricas de fertilizantes ou biocombustível, dizem os defensores da privatização, a entrada de novos operadores pode justificar investimentos em aumento da capacidade de produção ou de logística na região.
Estudo feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos) estima que a venda das refinarias vai impactar a vida de 4.895 empregados. Parte deles será reaproveitada pelos novos compradores, mas, segundo a FUP, primeiro serão demitidos antes da recontratação.
“O que está sendo feito hoje é um programa de transferência compulsória”, diz o diretor da FUP Deyvid Bacellar. “As pessoas estão praticamente sendo compelidas a se transferir para qualquer lugar no Rio, São Paulo ou Espírito Santo.”